quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Nota de repúdio


O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul (Sindjor-MS) vem por meio desta repudiar a agressão sofrida pela jornalista Laiana Horing Nantes, no dia 19 de outubro, durante o exercício da profissão.

Ela atua como assessora de imprensa do Sindicato dos Profissionais da Educação de Campo Grande (ACP) e foi agredida enquanto cobria a audiência pública realizada na Câmara de Vereadores para debater o projeto “Escola Sem Partido”.  A jornalista foi agredida fisicamente e teve a câmera fotográfica avariada. Boletim de ocorrência foi registrado na Polícia Civil.

A audiência foi promovida pelos deputados Mara Caseiro (PSDB), Coronel David (PSC), Paulo Siufi (PMDB), Lídio Lopes (PEN) e Maurício Picarelli (PSDB), autores do projeto.  O evento contou com protestos por parte dos profissionais da educação. A gestão considera que o projeto é uma forma de censurar debates importantes no ambiente escolar.

O Sindjor-MS repudia qualquer tipo de agressão e cobra providências da polícia para punir o autor, além de posicionamentos dos deputados e vereadores, visto que a agressão ocorreu na Câmara de Vereadores em evento organizado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. A atitude configura um atentado ao direito do cidadão de registrar o que se passa em espaço público, e, especialmente no caso da imprensa, configura um atentado ao exercício profissional.

Em fevereiro deste ano, relatório divulgado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) mostrou que o total de casos de violência contra profissionais de imprensa registrados em 2016 foi 65,51% superior ao de 2015. O total de casos de violações à liberdade de expressão no Brasil saltaram de 116 para 192 ocorrências, atingindo diretamente a 261 trabalhadores e veículos de comunicação. Com 67 ocorrências – contra 64 registradas em 2015 -, as genericamente chamadas “agressões” são as formas mais comuns de violência registrada contra jornalistas.


Veja o relato completo da jornalista publicado nas redes sociais:

Hoje, eu fui agredida!

No exercício da minha profissão. Na minha existência de mulher. Jornalista, há 8 anos trabalhando com comunicação sindical e, principalmente, vendo e vivendo os tempos de ódio da nossa contemporaneidade, confesso que sabia que cedo ou tarde isso aconteceria. Mas, eu não estava preparada. Ninguém está! Nem jornalista, para se ver impedida de fazer seu trabalho, menos ainda uma mulher está preparada para ser xingada, atacada, agredida por um homem. Nobre senhor, coronel do exército brasileiro. Um clássico cidadão de bem bravamente tentando calar terríveis professores e professoras, doutrinadores(as), abusadores(as) de crianças (Contém toda a ironia do mundo). 

Esbravejando, ao lado de incautas senhoras, senhores e jovens, por respeito à família. Quem estudou história sem a mordaça do Escola sem Partido deve saber o resultado de discursos idênticos a esse lá pelos idos de 1964.

Na hora, atordoada com a agressão, eu só sabia gritar que tinha sido agredida, que ele havia quebrado meu equipamento. A partir daí, tracei uma epopeia para conseguir identificar o cidadão e registrar um boletim de ocorrência. Mas, o fiz. Por mim, por outras mulheres, jornalistas, professoras, guerreiras.
Já presenciei, registrei, chorei diante de cenas de violência contra trabalhadores, nas nossas capitais (Campo Grande e Brasília). Também coube a mim, registrar o histórico de lutas dos educadores campo-grandenses ao longo da maior greve de REME, em 2015. Naquela ocasião, em nossa Câmara Municipal de Vereadores, minhas lentes captaram a covardia contra professoras e professores que lutavam pelo respeito a sua profissão.

Hoje, mais uma vez, lá estávamos nós, na Casa de Leis, os professores resistindo novamente, a mais uma investida contra seu ofício. Agora, a onda da vez é desqualificar seu trabalho, tentando amordaçá-los com projeto de lei Escola sem Partido.

Mais do que simplesmente relatar o ato de violência contra mim, eu quero chamar a atenção das pessoas para os reais motivos que estão por traz dessas propostas. Que lógica é essa? A começar por um projeto que se chama Escola sem Partido, mas que é proposto por agentes políticos, partidários, detentores de mandatos parlamentares. O professor não pode apresentar seu conteúdo, promovendo o debate sobre política, discutindo sexualidade, gênero, religião, a escola não pode ser o espaço do encontro com a diferença? Mas, agredir mulheres pode? Incitar o machismo, o racismo, a Lgbtfobia pode? Condescendência com a cultura do estrupo e o feminicídio pode? Professores (as) contextualizarem o 8 de março, relatando a história do movimento feminista, jamais!

Triste realidade. A dor do corpo, um bom banho morno e um analgésico tiram. Minha velha companheira Nikon será reparada, Mas esse pensamento não pode seguir, sob pena de vermos, em breve, professores saírem algemados de suas salas de aulas por fazerem seu trabalho, livros serem queimados por conterem alto teor histórico, censuras serem aplicadas às artes (ops, e não é que já estamos vendo?!).

Por agora é isso... Amanhã estou de volta à batalha (da comunicação e da educação). Encerro com algumas palavras que brotaram no momento de dor. Obrigada. De nada.

Há gritos por todos os lados

Alguns vêm da alma

inspirados nas dores da opressão

Gritam também os que querem oprimir

Sem saber que bradam em desgraça própria

Meu grito, calado, se faz olhos e ouvidos

Registrar é meu ofício

Ali, na aflição dos dias tenebrosos

Observar o ódio é dor e dever

Mas o braço covarde me ataca em minha mais cara face:

mulher, cale-se! Não veja! Não fale!

A luta de uma vida se vê afrontada na mais dura cor

Forte, ainda estou

Mas senti, hoje, a fragilidade típica do desvalor

O nó na garganta do desamparo

Como é fácil bater em mulher

Quão pouco se afligem com nossas dores

Ainda sigo

Não me calo

Choro de raiva

As lágrimas são meu alimento

Firme com as companheiras que dividem a condição

O gênero

A mulher

Laiana Horing Nantes

19/10/2017 17:45

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