terça-feira, 31 de agosto de 2021

Advogadas detalham impactos da MP 1045 para jornalistas e outras categorias

Em entrevista, Sindjor-MS tira principais dúvidas e alerta: medida irá precarizar as relações de trabalho

Avaliada como retrocesso, a MP 1045/2021 passou na Câmara dos Deputados neste mês e está prevista para ser votada pelo Senado nesta quarta-feira (1º). Inicialmente voltada à manutenção do programa de redução ou suspensão de salário, em razão da crise provocada pela pandemia de coronavírus, a medida promove sérias mudanças nas relações de trabalho e tem outras inserções estranhas ao seu objetivo principal. Entre as alterações previstas, estão modalidades de emprego sem direitos trabalhistas, redução do pagamento de horas e dificuldades no acesso à Justiça gratuita.

No caso de jornalistas e outras categorias que possuem uma jornada de trabalho reduzida, caso aprovada, a MP irá extinguir a chamada jornada especial. Para trazer um panorama dos principais pontos da MP 1045 e como ela afeta os trabalhadores e trabalhadoras, o Sindjor-MS conversou com as advogadas Fabiana Machado e Emanuelle Rossi, do escritório Rossi & Machado Advogadas Associadas, localizado em Campo Grande (MS). Confira abaixo a entrevista completa:

Sindjor-MS – Como a MP 1045 irá impactar, de forma prática, na rotina dos jornalistas?

Fabiana – Entendemos essa Medida Provisória como uma continuidade da Reforma Trabalhista. Ainda que ela tenha nascido com a intenção de dar continuidade ao programa de suspensão de contrato de trabalho com pagamento de um benefício emergencial, ela teve incluídos no Congresso vários artigos que atingem todos os trabalhadores e trabalhadoras. E não só com reformas na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], mas até com reformas no Código de Processo Civil, vinculação do juizado também.

Nós tivemos em 2019 a MP 905, que trouxe aquela ideia da Carteira Verde e Amarela, com contrato de trabalho com direitos reduzidos. Isso que na época não passou, retorna agora e com outras possibilidades de contrato de trabalho que reduzem direitos. Com relação aos jornalistas, temos um impacto profundo com relação à jornada de trabalho, e adicional de pagamento de hora extra. O que a medida propõe? Ela quer excluir a jornada especial, ampliar para a jornada que ela diz ser jornada constitucional, que na verdade é o limite de jornada de 8h/diárias e 44h semanais. Mas de que maneira? Da jornada que vocês têm agora até às 8h, ela pagaria um adicional abaixo do previsto na Constituição Federal, que é de 20%, e se extrapolasse [as 8h], de 50%.

Mas é uma matéria que a gente sabe que não vai passar, com relação à quantidade do adicional de ser menor de 50%. Mas a discussão não é essa, a discussão é a ampliação da jornada de trabalho, um retrocesso para todas as categorias que têm jornada diferenciada. A jornada de trabalho reduzida, a chamada especial, é um avanço do Direito Trabalhista, para todas essas profissões. Se formos analisar 10 anos atrás, muito se discutia como reduzir a jornada de trabalho de todos os trabalhadores. Com o passar do tempo, com as crises econômicas, toda crise econômica tende a cair a culpa para os trabalhadores. No nosso cenário brasileiro, desde que teve o golpe contra a Dilma em 2016, houve abertura para aprovação de legislações que flexibilizam as leis de trabalho, voltou-se à pauta as ampliações de jornada. E, agora, o fim da jornada especial, que não atinge só os jornalistas, mas outras categorias também.

Um exemplo muito grave é a mineração, que tem jornada reduzida. E tem a proposta para que a mineração tenha uma jornada de 12h, em um regime de 12h para 36h. Uma atividade extremamente insalubre. O que a gente analisa, é um risco muito grande que a MP passe, talvez não por completo. Mas que algumas dessas “renovações” de contrato de trabalho sejam aprovadas.

Sindjor-MS – Pode ser aprovado algo que viola a Constituição?

Fabiana – Isso tem acontecido, não só na questão trabalhista, mas principalmente na previdenciária. Têm sido aprovadas legislações federais, emendas à própria Constituição, de cunho inconstitucional. E a quem cabe analisar a inconstitucionalidade é o STF [Supremo Tribunal Federal]. Mas, muitos destes direitos o STF não tem respondido. Quando vimos passar a reforma trabalhista, e até recentemente, com a pandemia, termos a discussão sobre negociações diretas com trabalhadores, que na Constituição prevê que é só mediante o sindicato, temos várias violações à Constituição e não temos garantia que o STF entenderá como inconstitucional.

Algumas são muito nítidas, como tentar fixar um adicional de hora extra de 20%, enquanto a própria Constituição fala que é 50%. O texto antigo da CLT tinha 20%, mas não era aplicado por conta da Constituição Federal, que a Reforma Trabalhista até alterou isso para igualar. Então não tem condição de uma proposta dessa passar, pois beira a um erro muito grande.

No entanto, essas outras matérias que sabemos que são inconstitucionais porque violam direitos e garantias, bem como outros, são um risco. E não é uma matéria para ser discutida em Medida Provisória. Embora estejamos em uma pandemia, o próprio projeto da Carteira Verde Amarela já veio em um momento antes dela, e retorna agora. Não é porque estamos vivendo uma crise econômica decorrente da pandemia que você pode trazer condições de contratação que irão desigualar os trabalhadores e trabalhadoras de uma forma muito drástica.

Por exemplo, vamos analisar a jornada especial. Uma Medida Provisória serve exclusivamente para discutir situações graves e que necessitam de uma resposta rápida. Já quando falamos de contratos que vão durar 36 meses, ou uma alteração drástica na jornada de trabalho dos jornalistas, isso não é uma proposta para passar em dias, ela precisa ser discutida [por mais tempo].

Outra situação grave é a violação aos benefícios da Justiça gratuita. Isso impacta todas as categorias, toda a sociedade. E é um assunto tão grave porque você discutir o acesso à Justiça... É algo tão especial que jamais poderia ser tentado ser feito da forma como foi. E já foi feito antes, porque a reforma trabalhista de 2017 trouxe uma alteração danosa para o Direito do Trabalho, limitando o direito ao acesso à justiça gratuita.

Quando a MP 1045 dispõe sobre justiça gratuita, estamos falando sobre acesso da sociedade ao Poder Judiciário, uma garantia constitucional. E o que isso tem a ver com a pandemia? Novamente, essa força conservadora e liberal se aproveita do momento para justificar o injustificável. E tenta colocar para a sociedade mais uma reforma extremamente danosa.

Sindjor-MS – Caso seja aprovada do jeito que está, como seria essa implementação pelas empresas? Ou só poderemos saber depois?

Fabiana – Depende. Por exemplo, quando a MP traz o trabalho voluntário remunerado. A legislação fala, que você não pode demitir o seu funcionário e recontratá-lo nessa condição. Mas como a demissão é uma liberdade do empregador, o que impede que as empresas reanalisem as suas contratações, reduzam as suas vagas e contratem desta outra maneira? A MP traz limitações. Mas isso não impede de nós termos condição de contratação com direitos reduzidos. Ou seja, você traz uma desigualdade entre os trabalhadores. Então não tem como, dizer que isso não vai afetar os postos de trabalho atuais. Eles afetam de maneira indireta. É uma reavaliação que as empresas poderão fazer, para os novos postos de emprego.

Emanuelle – E isso não quer dizer que vai gerar mais emprego, quer dizer que vai precarizar. É a desculpa de toda reforma. Acho que seria interessante para o Jornalismo noticiar essa MP, não como ‘minirreforma trabalhista’, mas como grande reforma trabalhista, com grandes mudanças. Isso tem que ser noticiado de forma correta, para que as pessoas abram os olhos.

Na previdência, para ter acesso aos benefícios previdenciários, porque o benefício previdenciário é um substituto de renda – a pessoa está doente, não tem como trabalhar, então tem que acessar o benefício do INSS, – ela tem que cumprir alguns requisitos. Existem alguns benefícios que têm carência, que você tem que comprovar que tem pelo menos 12 contribuições contínuas em um período de um ano, e outros benefícios não tem, que são os acidentários.

Por exemplo, um jornalista que passou a trabalhar por hora, com jornada reduzida, vamos dizer que ele ganha menos de um salário-mínimo por mês em alguns meses. O recolhimento dele da previdência vai ser inferior a um salário-mínimo, então isso não conta para fins de benefício. Lá no final, o benefício dele poderá ser negado porque ele não teve a contribuição correta. Então ele vai ter que fazer uma complementação de recolhimento. Quando as pessoas também têm dificuldade no acesso ao benefício, também há o empobrecimento, porque vão ter que trabalhar doentes, muitos acabam saindo do mercado de trabalho.

O acesso à justiça que estamos falando são dos juizados especiais, que foram criados justamente para facilitar o acesso à justiça, então a MP está indo contra a própria motivação da norma, como que agora lá terá que ser pago? E uma pessoa que está doente, que precisa acessar o juizado especial federal, para fazer uma perícia e provar que está doente, ela não tem condições de pagar as custas. Como ela vai pagar uma perícia?

Fabiana – Outra coisa, no artigo 86, a MP permite o acordo individual. É uma situação que chega a coagir o empregado, porque ele sabe que está diante de aceitar esse acordo ou ser demitido. O contrato de trabalho é um contrato de adesão, o trabalhador não discute as suas cláusulas, ele aceita aquela condição quando ele trabalha. Então, a negociação do próprio contrato de trabalho, ao longo da duração dessa relação, fica muito fragilizada, porque o empregado do mesmo jeito que foi contratado sem condições de discutir aquela cláusula, ele prossegue também. Ainda mais em uma situação dessa, de crise econômica, de risco de perder o emprego.

Mas você veja, do impacto que é a MP, nós estamos falando apenas do artigo 86. É um artigo, que traz um espaço imenso. Há inúmeras categorias, ele atinge várias legislações. Então se analisarmos, é uma medida provisória com 90 artigos, estamos falando de todo um arcabouço do Direito do Trabalho, por isso que ela é entendida como um aprofundamento da reforma trabalhista.

Sindjor-MS – Qual a orientação que vocês deixam para os jornalistas e para os trabalhadores que serão atingidos?

Fabiana – Mobilização. Não tem outra maneira de barrar a medida, se não for através da mobilização. Por isso que as entidades sindicais, associações, movimentos sociais, são tão importantes neste momento. Porque a sociedade civil organizada consegue combater e quem sabe até frear toda essa avalanche de retrocessos. Por isso, a categoria de vocês é tão importante.

Se para as pessoas que tem um grau de instrução “mais elevado”, a informação está chegando de uma maneira equivocada, para as pessoas que são as mais atingidas com essa reforma a informação não chega. Se a informação não chega, como ela vai conseguir entender o risco que ela está vivendo e contribuir na mobilização?

A pandemia trouxe outra forma de conseguirmos mobilização. Ela deixa de ser aquele espaço mais tradicional da rua, mas você permite que a mobilização aconteça em outros espaços. Mas ela precisa ser constante e concomitante. Nós precisamos ocupar a rua, ocupar os espaços onde as pessoas consigam ser efetivamente ouvidas.

 

Um comentário:

  1. Muito boas as explicações das advogadas. Parabéns Sindjor-MS. #nãoàmp1045

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